Trichocentrum fuscum

Em plena crise mundial gerada pelo avanço do temido coronavírus, e respeitando as recomendações de ficar em casa, aproveito meu tempo para fazer duas das coisas que mais me agradam e realizam, que é cuidar de minhas orquídeas e escrever neste blog. Torço e desejo que tudo volte à normalidade o mais breve possível, e que o impacto seja brando.

Hoje vou falar sobre uma planta genuinamente brasileira mas pouco conhecida, pelo menos aqui no sul do país. Uma planta fenomenal pertencente a um dos gêneros que mais aprecio e cultivo. Uma planta realmente encantadora e curiosa, que seduz com a beleza de suas flores. Estou falando do Trichocentrum fuscum…

… a fantástica “orelha-de-burro”

Trichocentrum (abreviatura: Trctm.), é um gênero botânico pertencente à família Orchidaceae, proposto em 1836 pelo naturalista e zoólogo alemão Eduard Friedrich Poeppig (1798 – 1868), em conjunto com o botânico, linguista e numismata austríaco Stephan Ladislaus Endlicher (1804 – 1849).

Poeppig ficou mundialmente conhecido após sua exploração científica pela América do Sul, ocasião na qual descreveu mais de 4000 espéceis de plantas em terras brasileiras, peruanas e chilenas, e onde descobriu animais até então desconhecidos, como o macaco-barrigudo (Lagothrix poeppigii).

Eduard Friedrich Poeppig

Imagem retirada da internet – Site:
https://species.wikimedia.org/wiki/Eduard_Friedrich_Poeppig

O gênero Poeppigia, pertencente à família Verbenaceae, foi nomeado em sua homenagem, e existem dezenas de plantas que levam seu nome, como Diospyros poeppigiana, Erythrina poeppigiana, Psychotria poeppigiana e Zamia poeppigiana.

Psychotria poeppigiana

Planta pertencente à família Rubiaceae, e que assim como a Psychotria elata, “parente” próximo, também é conhecida popularmente como “Flor-do-beijo”, “ flor-de-lábios”, “Lábios-quentes”, entre outros.

Foto retirada da internet – Site:
pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Psychotria_poeppigiana_2.jpg

Endlicher se especializou no estudo da flora brasileira. Acompanhou Poeppig em várias expedições e descreveu inúmeras plantas.

Stephan Ladislaus Endlicher

Imagem retirada da internet – Site:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Stephan_Ladislaus_Endlicher

Em sua brilhante carreira Endlicher publicou valiosos trabalhos científicos, com grande destaque por sua participação na elaboração da “Flora Brasiliensis”, publicada em 1840. Ao término de sua longa jornada em terras brasileiras, ele retornou para a Áustria onde foi nomeado diretor do Jardim Botânico de Viena.

Botanical Garden of the University of Vienna

Imagem retirada da internet – Site:
https://www.bestmastersprograms.org/most-stunning-university-arboretums-and-gardens/

A planta considerada “tipo” para este gênero é o Trichocentrum pulchrum, planta espetacular que pretendo adquirir num futuro breve. Ilustro com uma linda foto do meu grande amigo Favian Apolo, proprietário do “Orquideas San Miguel”, situado na Província de Loja, região sul do Equador.

Trichocentrum pulchrum

Propriedade e créditos fotográficos: Favian Apolo – Orquideas San Miguel (Equador)

O nome deste gênero, Trichocentrum, deriva do grego: thrichos, que significa “pelos”, e kentron, que significa “espora”, em referência à aparência de seu esporão (sem néctar, como ocorre com outras orquídeas), que é fino e ondulado como um fio de cabelo.

Pela forma das folhas as plantas pertencentes a este gênero são popularmente chamadas de “orquídea-orelha-de-burro”.

Imagem da esquerda retirada da  internet – Site:
https://en.wikipedia.org/wiki/Donkey_(Shrek)

Provavelmente a espécie mais conhecida, pelo menos aqui na região sul do Brasil, é o Trichocentrum pumilum, mais conhecido como Oncidium pumilum ou Lophiaris pumila. Abaixo mostro duas fotos desta magnífica planta.

Ilustração 1: foto de exemplar de planta da minha coleção, cultivado em placa de madeira:

Trichocentrum pumilum

Planta de minha coleção

Créditos fotográficos: Juan Pablo Heller (Curitiba – PR)

Ilustração 2: foto de planta “in situ” que tirei no começo deste ano no município de Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba:

Trichocentrum pumilum “in situ”

Planta de minha coleção

Créditos fotográficos: Juan Pablo Heller (Curitiba – PR)

Este gênero é composto por aproximadamente 50 espécies originárias da extensa faixa que se estende desde o sul do México até o norte da Argentina, sendo o a região sul da América Central (Costa Rica e Panamá), e a região norte da América do Sul (Venezuela, Colômbia e Equador), seus principais centros de dispersão.

Trichocentrum fuscum – Ocorrência

Imagem retirada da internet – Site:
http://enlaescuelapublica.blogspot.com.br/2014/03/mapa-de-america-latina-con-todos-sus.html

Obs.: dependendo da fonte de pesquisa a quantidade de espécies informada no parágrafo anterior, de orquídeas inseridas em Trichocentrum, varia entre 25 e 90 unidades. Isto porque alguns autores subordinam algumas destas plantas a outros gêneros.

O gênero Trichocentrum está inserido na subtribo Oncidiinae, e várias de suas espécies anteriormente estavam subordinadas ao gênero Oncidium, como no caso do Trichocentrum pumilum acima mostrado, e tantos outros, como o Trichocentrum jonesianum, que na minha opinião é uma das mais belas orquídeas que existem.

Trichocentrum jonesianum – anteriormente inserido em gêneros como Oncidium, Cohniella e Stilifolium

Planta de minha coleção

Créditos fotográficos: Juan Pablo Heller (Curitiba – PR)

A principal característica distintiva das espécies de Trichocentrum está no esporão floral, que neste caso é uma extensão do labelo da flor, e não da coluna, como ocorre nas plantas de outros gêneros da subtribo Oncidiinae.

Trichocentrum fuscum – destaque para o esporão floral

Planta de minha coleção

Créditos fotográficos: Juan Pablo Heller (Curitiba – PR)

Pela incrível beleza de suas flores, as orquídeas do gênero Trichocentrum são amplamente empregadas na geração de híbridos. Abaixo mostro alguns dos híbridos intergenéricos envolvendo orquídeas deste gênero. Para facilitar a formatação separei o conteúdo em duas planilhas:

Porém acho que em termos de fama, o mais conhecido e apreciado mundialmente é um híbrido intragenérico, o fenomenal Trichocentrum Ollie Palmer, registrado em 2009 pela R.H.Palmer e oriundo do cruzamento entre outras duas plantas sensacionais, o Trichocentrum Maureen com o Trichocentrum haematochilum.

Trichocentrum Ollie Palmer

Planta de minha coleção

Créditos fotográficos: Juan Pablo Heller (Curitiba – PR)

E, para aqueles que desejam se aventurar na arte da hibridação, informo abaixo apenas alguns dos tantos gêneros pertencentes à subtribo Oncidiinae, à qual pertence Trichocentrum: Ada, Alatiglossum, Ampliglossum, Aspasia, Baptistonia, Brachtia, Brasilidium, Brassia, Capanemia, Carenidium, Caucaea, Cischweinfia, Cochlioda, Comparettia, Coppensia, Cuitlauzina, Cyrtochiloides, Cyrtochilum, Diadenium, Erycina, Fernandezia, Gomesa, Grandiphyllum, Ionopsis, Leochilus, Lockhartia, Macradenia, Macroclinium, Mesospinidium, Miltonia, Miltoniopsis, Nohawilliamsia, Odontoglossum, Oncidium, Ornithophora, Ornithocephalus, Osmoglossum, Otoglossum, Phymatidium, Psychopsiella, Psychopsis, Rhinocidium, Rhynchostele, Rodriguezia, Rodrigueziella, Rodrigueziopsis, Rossioglossum, Scelochilus, Sigmatostalix, Solenidiopsis, Solenidium, Symphyglossum, Telipogon, Tolumnia, Trichoceros, Trichopilia, Trizeuxis, Warmingia, Zelenkoa, Zygostates e seus híbridos.

E agora a orquídea do dia, o fabuloso Trichocentrum fuscum, descrito em 1837 pelo botânico inglês John Lindley (1799 – 1865), na ocasião com o nome de Acoidium fuscum.

Como já citado inúmeras vezes, Lindley provavelmente foi o mais renomado de todos orquidólogos. Descreveu centenas de gêneros e espécies, publicou muitos artigos e livros científicos, participou na fundação da revista Gardener’s Chronicle, e em 1857 foi agraciado com a Medalha Real, homenagem da Real Sociedade de Londres para pessoas com importantes contribuições para o avanço do conhecimento da Natureza.

John Lindley

Imagem retirada da internet – Site:
https://www.britannica.com/biography/John-Lindley

Entre suas obras destacam-se os seguintes trabalhos:

An Outline of the First Principle of Horticulture – 1832,
An Outline of the Structure and Physiology of Plants – 1832,
Nixus Plantarum – 1833,
A Natural System Botany – 1836,
Flora Medica – 1838,
Theory oh Horticulture – 1840,
The Vegetable Kingdom – 1846,
Folia Orchidaceae – 1852 e
Descriptive Botany –

Sinonímia: Acoidium fuscum; Trichocentrum cornucopiae var. fuscatum; Trichocentrum fuscum var. krameri; Trichocentrum mattogrossense e Trichocentrum pinelii.

O nome da espécie deriva do latim: fuscum, que significa “turvo”, “escuro”, em referência à cor predominante nas sépalas e pétalas da flor desta orquídea.

Entrando na área de taxonomia, abaixo mostro tabela que preparei mostrando a classificação completa do Trichocentrum fuscum:

Embora existam alguns registros de ocorrência desta planta na Venezuela, Guianas, Suriname e até na Bolívia, posso afirmar que a planta do dia é uma orquídea genuinamente brasileira. Sua área de endemia inclui quase que todo o território nacional, mais especificamente os estados de Amazonas, Roraima, Pará, Tocantins e Rondônia, na região norte, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, na região centro-oeste, e a extensa faixa que se estende desde o sul da Bahia, na região nordeste, até Santa Catarina, na região sul.

Trichocentrum fuscum – Ocorrência

Imagem retirada da internet – Site:
https://www.infoescola.com/geografia/mapa-do-brasil/

Trata-se de uma planta que se adapta bem a distintas condições climáticas, tendo preferência por matas sombrias, quentes e úmidas localizadas em altitudes compreendidas entre 800 e 1600 metros.

Não existem muito registros de híbridos envolvendo a planta do dia. Provavelmente um dos mais conhecidos é o Trichocentrum Bryon Rinke, híbrido primário registrado em 1995 pela Richella Orchids Inc., localizada no Havaí.

Foto da esquerda: Trichocentrum fuscum

Foto da direita: Trichocentrum albococcineum

Plantas de minha coleção

Créditos fotográficos: Juan Pablo Heller (Curitiba – PR)

Trichocentrum fuscum é uma planta de crescimento simpodial e pequeno porte, que forma lindas touceiras. Seu rizoma é curto e compacto com raízes cobertas por tecido velame. Possui diminutos e imperceptíveis pseudobulbos monofoliados e de formato cilíndrico, com comprimento inferior a 1 centímetro, quase da mesma espessura que as raízes.

Trichocentrum fuscum – Pseudobulbo

Planta de minha coleção

Créditos fotográficos: Juan Pablo Heller (Curitiba – PR)

As folhas desta maravilhosa orquídea se originam do ápice dos pseudobulbos, apresentam formato elíptico-lanceolado, são conduplicadas e coriáceas. Em termos dimensionais estas folhas possuem entre 5,0 e 13,0cm de comprimento por 1,5 a 3,0cm de largura.

As inflorescências são magníficas. Curtas, finas e pendentes hastes florais de aproximadamente 8,0cm de comprimento, que brotam da base dos pseudobulbos maduros e que suportam delicadas flores de aproximadamente 3,5cm de diâmetro, que abrem em sucessão em sua porção terminal.

Trichocentrum fuscum – Estruturas da planta

Planta de minha coleção

Créditos fotográficos: Juan Pablo Heller (Curitiba – PR)

As flores são maravilhosas, um verdadeiro espetáculo de formas e cores. Pétalas e sépalas similares, de formato lanceolado e com extremidades levemente voltadas para a frente, pintadas de uma linda tonalidade de marrom e com bordas destacadas em amarelo. O labelo é fantástico. Projetado de forma perpendicular às citadas estruturas, apresenta ampla predominância de cor branca com região central maculada de amarelo e com delicadas estrias vermelhas. Destaque especial para o charmoso esporão floral que é uma extensão do labelo, que possui aproximadamente 2,5cm de comprimento e coloração que varia entre tons pálidos de creme e verde. Para ilustrar este parágrafo apresento abaixo duas fotos, uma frontal e outra de perfil:

Trichocentrum fuscum – Estruturas florais (foto 1)

Planta de minha coleção

Créditos fotográficos: Juan Pablo Heller (Curitiba – PR)

Trichocentrum fuscum – Estruturas florais (foto 2)

Planta de minha coleção

Créditos fotográficos: Juan Pablo Heller (Curitiba – PR)

Felizmente a orquídea tema desta aula não corre sérios riscos de extinção. Atualmente esta planta está classificada pela IUCN (International Union for Conservation of Nature) como LC (Least Concern ), cuja tradução é “pouco preocupante”. Este grupo inclui plantas com espécies abundantes e amplamente distribuídas na natureza.

Apenas como curiosidade segue litas completa das classificações da IUCN:

Onde:

LC (Least Concern) – pouco preocupante
NT (Near Threatened) – Perto de estar ameaçada
VU (Vulnerable) – Vulnerável
EN (Endangered) – Em perigo
CR (Critically Endangered) – Criticamente em Perigo
EW (Extinct in the Wild) – Extinta na natureza
EX (Extinct ) – Extinta

Os dados acima foram retirados da Ficha de Espécies do Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SiBBr). Disponível em:

https://ferramentas.sibbr.gov.br/ficha/bin/

view/especie/trichocentrum_fuscum

A seguir relaciono algumas dicas básicas para o sucesso no cultivo desta orquídea:

A melhor forma de cultivo é fixada em árvores, ou então em cascas, troncos ou galhos, e com muitas raízes expostas.
Porém, se sua opção for por cultivo em vaso ou caixeta, então utilize um substrato confeccionado com partes iguais de casca de pinus, carvão vegetal e pedra brita.
A planta do dia não suporta raízes encharcadas. Portanto, se você optou por cultivo em vasos, utilize recipientes baixos, com pouco substrato e rápida drenagem.
A periodicidade das regas vai depender de vários fatores, tais como do substrato utilizado, temperatura, umidade ambiente, vento, etc. Porém, se você cultivar a planta fixada em placa de madeira ou tronco, como sugeri na primeira dica, que retém a umidade por pouco tempo, então recomendo regas diárias em períodos quentes, e a cada dois dias em períodos frios. Para cultivo em vaso ou caixeta o intervalo entre as regas deve ser maior.
Em termos de luminosidade recomendo algo em torno de 50 a 60% de sombreamento.
Quanto a temperaturas, o Trichocentrum fuscum gosta de calor. Sugiro cultivo entre 15 e 35 graus. Proteja a planta nos dias mais rigorosos do inverno.
Outra questão muito importante é a circulação de ar. Ambientes fechados e abafados representam um irrecusável convite para pragas como cochonilhas, pulgões e percevejos, que perfuram as diversas estruturas da planta abrindo passagem para a entrada de fungos, bactérias e vírus. Manter a planta em local ventilado é fundamental para o sucesso no seu cultivo.
Pode ser dividida como quase todas as orquídeas de crescimento simpodial, cortando o rizoma e deixando pelo menos 3 ou 4 bulbos em cada parte da divisão.
Não esqueça de adubar periodicamente.

Aqui no sul do Brasil floresce normalmente em pleno verão, e sua floração dura em média 20 dias. Porém, como as flores abrem em sucessão, esta planta fica florida por aproximadamente 3 meses.

E para finalizar algumas imagens ilustrativas dos dois exemplares de minha coleção.